top of page

“We are missing a name” - como nomear a psicologia de Vigotski e companhia?

  • Flávio Fontes
  • 7 de fev. de 2018
  • 4 min de leitura

“Como nomear a psicologia vigotskiana? Psicologia sócio-histórica ou psicologia histórico-cultural? Sobre isso não existe uma resposta correta. O próprio Vigotski não se ocupou desse problema, deixando a tarefa para outros autores que, por algum motivo, sentiram que ali havia surgido algo novo que precisava ser nomeado” (Sancovschi, 2010).

Para mim foi uma surpresa descobrir que “o termo ‘Abordagem Histórico–Cultural’ não foi criado ou selecionado por esse grupo [o autor se refere aqui a Vigotski, Leontiev, Luria e vários outros pesquisadores que se relacionavam nesse momento da segunda metade da década de 1920 na união soviética]. Esse termo não corresponde à autocompreensão deste grupo” (Fichtner, 2015, p.88). O próprio Vigotski não utilizou essa denominação, apesar de propor diferentes nomes em diferentes momentos, muitas vezes variantes de “teoria das funções psicológicas superiores”. Em um trecho retirado dos arquivos de Vigotski, encontramos o seguinte: "We are missing a name, a designation. It should not be a signboard (intuitivism). Not instrum., not cultural, not signif[icative], not struct., etc. Not only because of the blend with oth[er] theories but also because of the int[e]rnal lack of clarity, e.g., the idea of analogy with instr. = only scaffolding, dissimilarity is more essential. Culture: but where is culture itself from (it is nonprimordial, and this is hidden). So: 1) for the method the designation meth. of d[ou]ble stimulation. 2) for the theory as a whole a) psychol. of higher functions, i.e. b) histor. psychology or c) histor. theory of higher psychol. f[u]nctions. Because the central concept for us is concept of higher function: it contains a theory a) of its development, b) of its psychol. nature; c) of the method of its investigation” (Vigotski, citado por Keiler, 2012).

Depois de uma minuciosa investigação histórica, Keiler (2012) conclui que a denominação de “teoria histórico-cultural” foi criada pelos adversários de Vigotski, como um rótulo difamatório, em um contexto de condenação política de suas ideias. O grupo de Vigotski e Luria era acusado de pseudocientífico, reacionário, anti-marxista, de espírito idealista e burguês. Foi somente mais tarde que esse nome passou a ser divulgado e popularizado com outra conotação, principalmente por Leontiev. Conforme as ideias se disseminaram por diferentes países, outras denominações e interpretações foram se configurando (Dafermos, 2015). No Brasil, a situação é descrita assim por Sancovschi (2010): “o nome psicologia sócio-histórica é usado e desenvolvido por um grupo de psicólogos paulistas – Ana Bock, Odair Furtado, Maria da Graça Gonçalves, Wanda Junqueira Aguiar, dentre outros – que, a partir das contribuições de Silvia Lane, construíram sua própria psicologia. Esta toma por base os textos vigotskianos, mas vai além, reunindo outras referências e situando-se no interior do campo da psicologia social. Já o nome psicologia histórico-cultural é adotado por autores como Newton Duarte e Andrea Zanella na tentativa de destacar na obra do autor russo aquilo que consideram fundamental – a sua dimensão histórica e cultural –, além de não se restringirem ao campo da psicologia social” (p.134).

Ana Bock, Odair Furtado e Maria da Graça Gonçalves, por sua vez, escreveram a seguinte nota sobre o título de um texto de González Rey (2002): “Sócio-histórico, histórico-cultural, sócio-cultural, são termos utilizados para designar a teoria construída por Vigotski e seus seguidores. O termo histórico-cultural, aqui utilizado por Fernando González Rey é também utilizado por René van der Veer e Jaan Valsiner. O termo sócio-histórico tem sido empregado por autores brasileiros, entre os quais nos incluímos, para designar o campo da psicologia crítica inspirada na obra de Vigotski, Luria e Leontiev, mas que já recebeu contribuições que ampliam esse campo para além da psicologia russa. O termo sócio-cultural tem sido usado por autores americanos como Wertsch e Michael Cole, e é difundido no Brasil por pesquisadores da faculdade de educação da UNICAMP como Smolka e Angel Pino. Preferimos o termo sócio-histórico, porque o termo cultural no Brasil não reflete uma tradição marxista. Fernando argumenta que o termo cultural, em Cuba, traz essa inflexão. Resolvemos manter o termo escolhido por Fernando González – histórico-cultural – porque não vemos diferenças importantes na formulação. O termo sócio-cultural, no nosso entender, não corresponde à tradição marxista de Vigotski”. Como podemos perceber, há um campo de tensões e disputas em jogo sobre como utilizar esse legado. É importante que o pesquisador procure responder algumas perguntas: “why do we need Vygotsky’s theory? Why do we focus on the particular aspects of Vygotsky’ legacy (and not on some others)? What do we attempt to do with Vygotsky’s ideas?” (Dafermos, 2015).

Referências


Dafermos, M. (2015). Critical reflection on the reception of Vygotsky’s theory in the international academic communities. In Cultural historical approach: educational research in different contexts (pp. 19–38). Porto Alegre: EDICPUCRS.

Fichtner, B. (2015). A abordagem Histórico-Cultural no contexto alemão: a atualidade do reprimido - problemas e perspectivas da recepção. Fractal: Revista de Psicologia, 27(1), 88–93.

González Rey, F. L. (2002). O enfoque histórico-cultural e seu sentido para a psicologia clínica: uma reflexão. In A. M. B. Bock, M. da G. M. Gonçalves, & O. Furtado (Eds.), Psicologia Sócio-histórica (uma perspectiva crítica em psicologia) (2ª ed., pp. 193–214). São Paulo: Cortez.

Keiler, P. (2012). „Cultural-Historical Theory“ and „Cultural-Historical School“: From Myth (Back) to Reality. Dubna Psychological Journal, (1), 1–33.

Sancovschi, B. (2010). Sobre a psicologia de Lev S. Vigotski. In A. A. L. Ferreira (Ed.), A pluralidade do campo psicológico: principais abordagens e objetos de estudo (pp. 133–147). Rio de Janeiro: Editora UFRJ.


 
 
 

Comments


Posts Em Destaque
Posts Recentes
Arquivo
Procurar por tags
Siga
  • Facebook Basic Square
  • Twitter Basic Square
  • Google+ Basic Square

© 2017 por Clínica da Atividade. Criado com Wix.com

  • Facebook B&W
  • Twitter B&W
  • Google+ B&W
bottom of page